Daily Archives: 02/09/2016

Quando o Vinho era melhor para a saúde do que a água!

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Beber uma pequena quantidade de vinho é bom para a saúde? Se esta questão é hoje em dia tema de debate acalorado, assim não foi durante muitas centenas de anos.
Apresentamos hoje um tradução nossa de um artigo que achámos interessante divulgar, da revista suíça, editada em francês, ALTERNATIFbien-être, de Setembro 2016.


A imagem do marinheiro Francês é indissociável do seu copo de tinto e não data de ontem. Nos navios reais o vinho fazia parte da vida do marinheiro, desde que fosse vinho francês, claro. Richelieu ele mesmo, cujo grande desígnio foi criar uma marinha permanente, dizia que o sangue de um bom marinheiro deve ser composto por água do mar e vinho. Uma verdadeira profissão de fé, que foi seguida alguns anos mais tarde de grande meios e bem concretos: ordens reais fixaram a quantidade e a qualidade dos géneros alimentícios fornecidos a cada navio, postos em prática por Colbert a partir de 1670, e entre os quais o vinho era um elemento incontornável da ração diária, tendo cada homem direito a 70 centilitros por dia de vinho tinto “livre de azedumes, a desandar ou ácido” . Melhor ainda, o dito vinho devia ser excelente, seleccionado entre os melhores crus – essencialmente Bordeaux!

As bebidas alcoólicas sempre tiveram lugar nos porões dos navios, quer fosse cerveja, cidra, ou mesmo espirituosas como o famoso Rum. O álcool tinha, acima de tudo, uma dimensão “de consolo” no meio da rude existência do marinheiro. Mas de entre todas estas bebidas, o vinho tinha um estatuto completamente à parte na marinha francesa, a tal ponto que legislação de finais do século XVIII proibia aos oficiais dos navios privar a tripulação de vinho como medida de retaliação! Dado o lugar cultural e simbólico que ocupa o vinho em França, há três razões principais para este estatuto privilegiado.  Razões na realidade higiénicas.

Os porões dos navios à vela onde se guardavam os víveres eram de facto lugares húmidos e com pouca ou nenhuma renovação de ar: as condições de conservação em barricas das bebidas fermentadas apenas eram viáveis por curtos períodos de tempo (logo por curtas distâncias). Ora, a única bebida capaz “de se aguentar” nas viagens mais longas, e daí não envenenar os marinheiros ao fim de um mês, eram os vinhos tintos mais velhos. Segundo o destino (ocidente ou oriente), os vinhos embarcados eram escolhidos em função da sua resistência ao clima: era assim que os vinhos mais velhos e de primeira qualidade entre os Bordeaux e Ródano, ou como os crus de Montferrand, de Pallu ou de Quercy,  eram os privilegiados  quando se seguia para Oriente através dos climas mais quentes, dado que eram consideradas bebidas mais fiáveis do que a água propriamente dita. Nesses navios seguiam também vinhos mais ligeiros, de Anjou, Saintonge e de Touraine, que deviam ser consumidos em primeiro lugar, dado que facilmente azedavam. Quanto ao vinho branco, era simplesmente proscrito!

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Mas esta preferência pelo vinho em relação à água não se limitava aos marinheiros. Em terra igualmente a água potável nem sempre era de fácil de conseguir. Na Idade Média era frequente as nascente subterrâneas de algumas regiões estarem carregadas de metais pesados, o que as tornava impróprias para consumo. Embora isso não fosse exactamente conhecido à partida, mas apenas depois de alguma epidemia misteriosa que levantava a suspeita sobre a água.

Os que melhor se safavam eram os que tinha tendência para a garrafa. Porque mesmo que o álcool fosse algo que alterava comportamentos, o vinho permanecia como uma bebida isenta de poluente: a água acumulada na vinha fora filtrada pelas raízes.

Os problemas são, até aos nossos dias, bem diferentes. Mesmo que água da torneira possa ter qualquer tipo de contaminação, ela raramente será mais tóxica que o álcool. Ao longo do século XX, o álcool foi quase sempre considerado pernicioso para a saúde. Porém, nos últimos 20 anos pesquisas científicas levam a pensar que o álcool em pequenas doses não é nocivo para a saúde, podendo mesmo ser benéfico, embora novos estudos coloquem em causa essas conclusões.

Os estudos actuais centram-se nos efeitos do consumo de vinho sobre a saúde, seguindo sempre o mesmo método: recrutar milhares de voluntários, seleccionados  entre aqueles  com modos de vida similares (alimentação, actividade física, etc.) e comparar entre eles o respectivo estado de saúde em relação aos que não bebem ou bebem muito pouco.
Quando diversos estudos chegam a diferente conclusões, os investigadores reúnem todos os dados coligidos e analisam globalmente tudo o que surge de mais relevante.  Chamam a isto “meta-análises”. Em 2015 existiam 87 meta-análises sobre a ligação entre álcool e mortalidade, e a conclusão global falava de quem consumia álcool com moderação (um a dois copos de vinho por dia) como alguém apresentando menor risco de morrer prematuramente que os abstémios.

Mais recentemente os cientistas da Universidade de Victoria, Canadá, publicaram trabalhos que colocam em causa estes resultados, igualmente baseados em amostragens de milhares de pessoas.  Estes especialistas passaram a pente fino os métodos utilizados antes e constataram que 74 das 87 meta-análises apresentavam alguns erros de amostragem, dado que incluíam nos estudos grupos de abstémios que eram antigos consumidores de álcool ou pessoas que não bebiam por razões médicas, logo duas categorias de pessoas cuja mortalidade é normalmente mais elevada que os indivíduos de boa saúde. Segundo eles, este erro falsifica totalmente as análises alterando as conclusões: em realidade, o álcool só faria baixar a mortalidade nos casos de um consumo esporádico – máximo um copo de bebida alcoólica por semana!
Estes trabalhos sugerem que um copo de vinho por semana seria o ideal em termos de mortalidade. Referem igualmente que beber dois copos por dia não será igualmente perigoso, mas simplesmente não afecta a esperança de vida.

O consumo de álcool por parte do ser humano não data de ontem. Bem antes da invenção da fermentação alcoólica,  já se consumiam pequenas quantidades de álcool sob a forma de frutos demasiado maduros, portanto com açúcar fermentado, provavelmente há milhares de anos.
Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde fixa o limite máximo em 3 copos de vinho por dia para o homem e 2 para a mulher. Mas um antigo especialista da própria OMS, Kari Poikolainen, concluiu a partir de investigações pessoais que o consumo de vinho só se torna nocivo a partir de… 13 copos por dia!

Evidentemente, a partir daí, só podemos aconselhar que se acrescente um pouco de água ao vinho… a não ser que seja um bom Syrah!

Rodolphe Bacquet et Julien Venesson
ALTERNATIF bien-être SEPTEMBRE 2016 N°120
LE JOURNAL D’INFORMATION DES SOLUTIONS ALTERNATIVES DE SANTÉ
(tradução livre pelo Blogue do Syrah)