Custou mas foi!
E duplamente! Durante muito tempo dissemos que nos Açores não havia Syrah!
Hoje prova-se que há, e mais, que há um monocasta Syrah!
Depois foi difícil arranjar este Syrah! Como se sabe é muitas vezes mais difícil arranjar e fazer coisas neste belo país terceiro mundista do que por exemplo arranjar e mandar vir coisas do outro lado do mundo! Não tenham dúvidas: Foi mais difícil arranjar este Syrah dos Açores, do que ter mandado vir um Syrah da Austrália!
Quando contactamos naturalmente a Mercearia dos Açores em Lisboa que tem produtos de todas as ilhas, com vista à possibilidade de encomendarmos este Syrah da ilha do Pico, estávamos à espera de muita coisa, por exemplo, que teríamos de esperar um mês para que a encomenda chegasse a Lisboa, mas nunca a resposta que nos deram.
-“Isso é muito difícil”
-“Desculpe, como? Ok, não diga mais nada!…”
Mas a “salvação” veio mais uma vez de um amigo e leitor assíduo do Blogue do Syrah: Carlos Campos de seu nome! Não é a primeira vez que falamos dele, não há-de ser a última! Nas muitas viagens que faz por esse país fora e com uma atenção redobrada, num belo dia de passagem por Sesimbra, diz-nos que consegue uma garrafa, a única do Syrah Curral Atlântis e se estamos interessados! Já perceberam a resposta e devido a isso estamos aqui a apresentá-lo!
Este é um Syrah produzido na ilha do Pico. O produtor é Curral Atlântis Sociedade Vitivinícola, Lda. A Ilha do Pico é constituída basicamente por duas empresas produtoras de Vinho do Pico: a Cooperativa Vitivinícola da Ilha do Pico e a Curral Atlantis, ambas sediadas na freguesia da Madalena! Produzido no coração do atlântico, onde a influência marítima se faz sentir no seu forte carácter exótico, com aromas a especiarias e frutas maduras elegantes. Este vinho estagiou em barricas de carvalho francês. Duas características sobressaem quanto a nós, neste Syrah! Tem um toque bem presente a maresia o que se explica pela proximidade marítima e existe a presença de Brett! Não dizemos isto como sendo algo negativo, ao contrário de muitos enófilos, desde que a presença desta levedura não esteja em excesso, o que é o caso! É um Syrah a 100% do ano de 2015. A graduação alcoólica é de 13%. A enologia pertence a Paulo Laureano. E aí tivemos direito a nova surpresa! O Paulo Laureano é conhecido no mundo dos vinhos como o enólogo que só se compromete com as castas autóctones! Respeitamos a decisão, no entanto, há uns três anos tivemos a oportunidade de o confrontar com o facto de utilizar a Alicante Bouschet nos seus vinhos. A resposta veio de rajada: ”A Alicante Bouschet está cá há mais de cem anos, logo já é portuguesa!” Pois, mas para que a Syrah esteja em Portugal há mais de cem anos ainda falta bastante! Ficámos surpresos mas sempre pela positiva pois assim o Paulo Laureano acaba por admitir a mais valia que é fazer monocastas Syrah!
São quase 13 hectares de vinha que estão plantados numa encosta, um pouco mais afastada do mar e com acessos que obrigam a irromper pela vasta vegetação da ilha. O produtor do Curral Atlântis Marco Faria que produz anualmente 70 mil garrafas tinha quatro vinhos no mercado, incluindo dois tintos elaborados a partir das castas estrangeiras Merlot e Cabernet Sauvignon. O arquipélago açoriano é o destino principal das garrafas, mas em algumas garrafeiras de Portugal Continental e em Macau também as conseguimos descobrir. A cultura da vinha na ilha do Pico, nos Açores, começou no final do século XV, aquando do povoamento da ilha. Trazida por monges cristãos, era orientada no sentido da produção de vinho para as homilias. Após diversas tentativas, os monges conseguiram produzir um vinho bastante doce, com uma cor de ouro magnífica, que depressa se tornou muito popular em famílias aristocratas. Graças ao solo vulcânico, rico em nutrientes, ao micro-clima seco e quente das encostas protegidas do vento por muros de pedra áspera e escura e aquecidas pelos raios do sol, as vinhas, da casta verdelho, conseguiram na ilha do Pico as condições excepcionais de maturação. Mais tarde, o vinho do Pico foi exportado para muitos países da Europa e América, e chegou até a mesa da corte russa. Estes terrenos, Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico, misto de natureza lávica e práticas culturais ancestrais, foram classificados como Património da Humanidade, pela UNESCO, em 2004. Os sítios do Lajido da Criação Velha e do Lajido de Santa Luzia são os maiores exemplos desta arte de parcelar a terra que esta distinção veio reconhecer. Estas vinhas plantadas em chão de lava são enquadradas por apertadas paredes de pedra solta, chamadas de “currais” ou “curraletas”, que as protegem do vento marítimo mas deixam entrar o sol necessário à sua maturação.
E agora um pouco de história que também faz falta!
Aliando uma tradição que remonta ao século XV com conhecimentos e tecnologias bem actuais, os Vinhos dos Açores readquirem, assim, o seu lugar nas garrafeiras de qualidade.
Os Vinhos dos Açores são herdeiros duma antiga tradição vitivinícola que remonta aos tempos dos primeiros povoadores (século XV). A posição privilegiada do Arquipélago para escala e abastecimento das frotas dos Descobrimentos e das posteriores linhas marítimas, foi decisiva para colocar nas várias partidas do mundo os vinhos produzidos nas ilhas.
As crónicas referem a presença de vinho dos Açores nas embarcações que se abasteciam no Porto das Pipas (Ilha Terceira) e demandavam portos nas Índias e no Além-Mar.
Vinho açoriano vendia-se bem, no século XVIII, na América do Norte, nas Antilhas, em Hamburgo e em S. Petersburgo, sendo apreciado pelos Czares da Rússia.
No século XIX é exportado vinho açoriano para o Brasil, onde era aconselhado pelos médicos como produto medicinal. Os povoadores aproveitaram os terrenos de “biscoito” – terrenos resultantes dos derramamentos de lava mais recentes – para as plantações da vinha, e que foram experimentando várias castas, até estabilizarem nas que melhor se adaptaram às características do solo e do clima das ilhas. A casta Verdelho, que se julga proveniente do Mediterrâneo e que terá sido introduzida no século XV, é uma das que melhor se terão adaptado ao clima e aos terrenos açorianos, resistindo até ao presente.
Na segunda metade do século XIX, as vinhas dos Açores foram dizimadas por pragas (oidium tukeri e filoxera), caindo as produções de forma catastrófica. Centenas de famílias ficaram na miséria, vendo-se obrigadas a emigrar para os EUA. Ao tentarem encontrar castas resistentes às pragas, os açorianos recorreram à importação, para enxertos, de castas e híbridos da América, mas importaram também novas doenças que mais agravaram a situação das castas existentes. Algumas das castas americanas, com destaque para a “Isabella”, acabaram por produzir directamente, dando origem a um “vinho de cheiro” de baixa qualidade.
A tradição dos Vinhos dos Açores de qualidade só é retomada nos anos oitenta do século XIX, com o re-incremento da casta Verdelho e a experimentação de outras castas em campos de ensaio montados pelos serviços oficiais. Já nos anos noventa, os campos de ensaio foram alargados, sendo dada importância à divulgação dos resultados entretanto obtidos, ao mesmo tempo que foram criadas as Zonas Vitivinícolas dos Biscoitos (ilha Terceira) , Graciosa e Pico. Em toda a década de noventa, foram reestruturados cerca de 150 hectares de vinha em 330 explorações nas ilhas Pico, Terceira e Graciosa.
Na Graciosa é produzido VQPRD – Vinho de Qualidade Produzido em Região Determinada, sendo produzido VLQPRD – Vinho Licoroso de Qualidade Produzido em Região Determinada nas outras duas zonas. Parâmetros como cor, limpidez, aroma e sabor são definidos pela Comissão Vitivinícola Regional dos Açores (CVR-Açores), criada a 26 de Maio de 1994 e à qual cabe aprovar o vinho antes do engarrafamento, garantindo-se, assim, a qualidade do produto. Já foram certificados pela CVR-Açores, os vinhos: Lajido (VLQPRD), do Pico; Brum (VLQPRD), dos Biscoitos, ilha Terceira; e Pedras Brancas (VQPRD), da Graciosa. Aliando uma tradição que remonta ao século XV com conhecimentos e tecnologias bem actuais, os Vinhos dos Açores readquirem, assim, o seu lugar nas garrafeiras de qualidade, nomeadamente este Syrah de 2015 da ilha do Pico!
E para finalizar a citação que se impõe, desta vez de Francisco Trindade:
“É mais fácil comprar um Syrah australiano do que um Syrah açoriano!”
Classificação: 17/20 Preço: 11,00€