“A embriaguez não provoca os vícios: limita-se a pô-los em evidência” Séneca
Nós, que escrevemos sobre vinhos e especificamente sobre Syrah, salientamos, sempre que temos oportunidade, a importância de valorizar a qualidade em detrimento da quantidade. Interessa mais beber um Syrah extraordinário do que beber em excesso!
Por isso é que é importante apelar à moderação no consumo de Syrah, beber pouco mas bem, com subtileza, eventualmente fazer a sua harmonização com a comida enfatizando o lado gastronómico. Portanto de forma alguma apelamos ao abuso. Beber e apreciar Syrah está longe de ser o motivo para o problema da alcoolemia.
Vários estudos médicos sugerem que beber moderadamente, para os homens, significa duas taças de vinho ao dia. Já para as mulheres, o consumo moderado limita-se a uma taça diária. Mas vale ressaltar que essa definição de duas taças diárias para o homem, e uma para as mulheres, nem sempre foi assim, apesar de hoje parecer um razoável consenso.
No século XIX, por exemplo, o médio inglês Francis Anstie ficou famoso por propor qual seria o limite de consumo diário de álcool sem prejuízo para a saúde: a recomendação era que as pessoas não excedessem o equivalente a “três ou quatro copos de vinho do Porto por dia”, sem fazer distinção entre homens e mulheres.
Já em 1979, o Colégio Real de Psiquiatria do Reino Unido considerou que “uma garrafa de tamanho padrão de vinho constituía uma directriz razoável de consumo diário”.
Em 1987, na Austrália, o Conselho Nacional de Pesquisa Médica e de Saúde recomendou limites de 4 taças de vinho diárias aos homens, e duas taças às mulheres. Mas, em 2001, ajustando as suas directrizes, a recomendação foi alterada para duas taças diárias, independente do sexo.
Assim como a margarina e os ovos, que ora são homenageados, ora são incriminados, o que se entende por consumo moderado também varia de acordo com a cultura e o conhecimento científico que se tem, à determinada época, e em determinado local.
De qualquer maneira, o conceito de consumo moderado está baseado no equilíbrio da relação entre maiores benefícios para a saúde, e menores riscos. Quem consome Syrah, moderadamente e com responsabilidade, desfruta sempre de todos os prazeres que ele proporciona.
A moderação no consumo de álcool não é uma ideia nova. Essa preocupação sempre esteve presente na história da humanidade, e do vinho. Segundo a Bíblia, Noé teria sido o primeiro homem a plantar uma vinha. E também o primeiro homem a beber vinho. Mas infelizmente, também, o primeiro homem a embriagar-se. Aí entra uma outra história, presente no Midrash, literatura judaica que explica a Tora Escrita (ou Pentateuco, que são os cinco primeiros livros bíblicos, de autoria atribuída principalmente a Moisés). Quando Noé plantou a vinha, o diabo teria aproveitado a situação, matando quatro animais (um cordeiro, um leão, um porco e um macaco), e teria derramado o sangue deles nas raízes da vinha.O efeito do álcool no nosso cérebro, seria, segundo o Midrash, resultado disso.
Um pouco de vinho deixa-nos como um cordeiro: mais inocentes, mais dóceis, mais amistosos. Ao bebermos um pouco mais, nos sentimos fortes como um leão, mais audaciosos e orgulhosos. Se formos um pouco além da conta, agimos como porcos, caindo para o chão. O exagero, em compensação, faz com que nos comportemos como macacos, fazendo macaquices sem nenhum juízo.
O Midrash utiliza o episódio da embriaguez de Noé para discorrer a respeito dos riscos do consumo de álcool em demasia. E não pense que isso acontece só com os outros. Precisamos sempre estar atentos quanto à moderação. Vale a pena lembrar que Noé não era um homem qualquer, ele era um homem extremamente virtuoso, e por isso mesmo, o escolhido e poupado do dilúvio, por Deus, o que quer dizer que numa pequena falta de atenção o deslize pode acontecer!